O Ocaso de uma Era
- Gerar link
- Outros aplicativos
Por
Claudino
Breve relato de um antigo Radiomaníaco
Foi-se embora o tempo em que se amarrava cachorro com lingüiça, como se foi, também, a era de ouro do rádio brasileiro, especialmente no que se refere às emissoras sediadas no Rio de Janeiro quando ainda capital da República.
Cada pessoa tinha sua preferência, seu gosto musical, seu programa predileto e quase todos tinham de cor a posição de cada emissora no "dial" do seu rádio. No início eram os imensos receptores a válvulas mas é nos anos 50 e até meados dos 60 que a radiofonia nacional atinge seu ápice até o quase desaparecimento na década seguinte. Isto só não aconteceu em razão do advento das novas emissoras com transmissão em freqüência modulada, da extraordinária ascensão do Sistema Globo de Rádio após a revolução de 64 e da resistência sustentada pela rede dos Diários Associados através da Rádio Tupi.
No cantinho do "dial", na freqüência de 550 kilociclos (hoje são kilohertz) ficava a Rádio Eldorado que dividia com a Rádio Jornal do Brasil, a preferência de quem gostava de música popular de alta qualidade representada pelo jazz, pelas grandes orquestras internacionais tais como Frank Pourcel, Billy Vaughn, Paul Mauriat e Lex Baxter, pelos fabulosos Frank Sinatra, Nat King Cole e os românticos brasileiros de então muito bem representados por Tito Madi, Elizeth Cardoso e Dick Farney.
Mais adiante, todo mundo acertava os ponteiros pela Rádio Relógio Federal que, após o terceiro sinal, informava a hora certa, minuto a minuto, e depois anunciava o indefectível "slogan": "Galeria Silvestre, a galeria da luz". Volta e meia repassavam pérolas do tipo: "Você sabia que pondo açúcar no café ele adoça?"
Logo depois era sintonizada a Rádio Copacabana, primeira emissora evangélica do Rio de Janeiro que limitava-se a divulgar a doutrina que defendia, não anunciava curas milagrosas e não enchia o saco de ninguém.
A Rádio Carioca surgiu nos anos 60 e imitava a Rádio Tamoio com uma só propaganda entre músicas, um "jingle" chatíssimo após cada uma delas e uma péssima recepção.
A Rádio Ministério da Educação, hoje, Rádio MEC, tocava óperas, músicas clássicas e muitos programas educativos. Para os jovens da época, era um saco.
A Rádio Mundial, sucessora da Rádio Clube do Brasil, foi adquirida pelo radialista Alziro Zarur (uma das mais belas vozes do rádio) que ali criou a Legião da Boa Vontade. À noite, ele comandava o "Futebol da Caridade". Quando o ouvinte enviava um donativo de vinte cruzeiros, fazia um gol. Dez cruzeiros a bola batia na trave e menos que isso era bola fora. Tinha uma audiência enorme. Tempos depois da morte de Zarur a rádio foi adquirida pelo Sistema Globo e deu uma guinada violenta passando a pautar sua programação à base do rock pauleira. Foi quando surgiu Big Boy com um estilo revolucionário de apresentar um programa.
Depois de adquirida pelos Diários Associados, a Rádio Tamoio, sob a direção de Jair Amorim e o vozeirão de Jorge Majestade provocou um maremoto na radiofonia carioca ao fazer "Música Exclusivamente Música". Com "Um anúncio, um só por intervalo" alcançou um sucesso sem precedentes naquele tempo, tocando música de qualidade, sem o elitismo da Eldorado e da Jornal do Brasil mas sem o popularesco dos "disk jockeys" e dos programas de auditório.
>Seguindo a seqüência, após a Tamoio, vinha a Rádio Jornal do Brasil que, além do sofisticalismo musical já comentado, com o apoio do jornal, detinha o radiojornalismo mais respeitado na época. Era a única emissora que transmitia as corridas de cavalo diretamente do Hipódromo da Gávea na palavra de Teóphilo de Vasconcelos, o locutor de narração mais veloz do mundo. Era irmão do comediante Zé Vasconcelos.
A Rádio Nacional do Rio de Janeiro, a famosa PRE-8, foi a maior emissora de toda a América Latina. Líder absoluta de audiência, tinha o maior "cast" de radioteatro, de músicos, cantores, maestros e locutores entre os anos 40 e 60. Manoel Barcelos às quintas- feiras, César de Alencar aos sábados e Paulo Gracindo aos domingos, comandavam de quatro a seis horas de programas de auditório onde se apresentavam os maiores astros e estrelas de todo o Brasil. Orlando Silva, Nelson Gonçalves, Linda e Dircinha Batista, Francisco Carlos e Ângela Maria disputavam a preferência popular, mas muito longe do sucesso e do mito de Marlene e Emilinha Borba.
O Radioteatro da Nacional era simplesmente fantástico e foi a base das futuras novelas da televisão que, na época, perdia para o rádio em audiência. O "Anjo", "Jerônimo, o Herói do Sertão" e o "Cavaleiro da Noite" povoaram a imaginação de todos os jovens daquela época e que hoje estão na casa dos 50 anos de idade. Milton Rangel era o Jerônimo e Álvaro Aguiar, o Anjo, mas destaques merecem também Mário Lago, Domício Costa, Castro Gozaga, Cauê Filho, Rodney Gomes, Dayse Lúcidi, além de muitos outros excelentes radioatores.
As Rádios Continental e Metropolitana ficavam lado a lado e pertenciam às Organizações Rubens Berardo que, anos mais tarde, inaugurariam a TV Continental, há muito tempo extinta.
A Rádio Continental era "100% esportiva" e a equipe comandada por Carlos Palut lançou nomes como Teixeira Raiser e Oduvaldo Cozzi, o melhor locutor de futebol de rádio em todos os tempos. "As minhas coronárias não vão resistir" bradava ele ao microfone quando o Brasil vencia a Rússia na Copa de 58.
Na Rádio Metropolitana, além dos programas dos irmãos Willian e José Duba, destacava-se o inesquecível "Hora da Broadway" que lançava as novidades musicais americanas e onde se ouviu, pela primeira vez, no Brasil, a lendária "Rock Around the Clock" com Bill Haley e seus Cometas e se tomou conhecimento de um jovem que rebolava nas suas apresentações em público e estava arrebentando a juventude nos Estados Unidos: Elvis Presley.
Ainda seguindo a seqüência do "dial", vinha a Rádio Mauá que, vinculada ao Ministério do Trabalho era chamada "A Emissora do Trabalhador". Sua programação era fraquinha mas foi lá que Haroldo de Andrade estreou em rádio no Rio de Janeiro com um programa chamado "Musifone", o primeiro a atender pedidos musicais dos ouvintes pelo telefone. Pouca gente sabe disso.
A Rádio Globo vinha logo depois. Somente na década de 60 esta emissora começou a ocupar seu espaço até dominá-lo por completo a partir dos anos 70. Às nove horas da manhã o "Programa Luiz de Carvalho" deu início a arrancada. Reforçada por Roberto Muniz, Mário Luiz e Paulo Moreno, aumentou muito sua parca audiência. Com a Rádio Nacional em queda livre, absorveu Jonas Garret e boa parte do "cast" de radioteatro da ex-líder quando criou "A Vida é Assim", novela diária de enorme sucesso. Mais tarde viriam Haroldo de Andrade, da Mauá, Paulo Giovani, Chacrinha e Antônio Carlos, da Tupy e José Carlos Araújo, da Nacional. Foi quando tornou-se líder absoluta de audiência, sem chances para mais ninguém.
Ao lado da Globo ficava a Rádio Mayrink Veiga, indiscutivelmente, o maior celeiro de comediantes do rádio brasileiro. Houve época em que todos os dias, menos sábados e domingos, rigorosamente à noite, após a maldita "Voz do Brasil", entrava no ar um programa cômico. "Miss Campeonato", A Cidade se Diverte" e "Vai da Valsa" lançaram ou levaram ao estrelato artistas como Walter e Ema D'Ávila, Zé Trindade, Geraldo Alves, Matinhos, Nancy Wanderley e um grande criador de tipos chamado, na época, Francisco Anísio.
Jair de Taumaturgo comandava a parte musical da emissora. "Peça Bis pelo Telefone" foi o primeiro programa do rádio brasileiro a desbancar a liderança absoluta da Rádio Nacional. "Hoje é Dia de Rock", às seis da tarde, comandada por Isaac Zaltman era programa obrigatório dos roquemaníacos. Aos sábados o programa era ao vivo e dali saíram os Golden Boys, Renato e seus Blue Caps e os Fevers, só para citar alguns.
No início dos anos 60, a Mayrink foi comprada pelo grupo político de Leonel Brizola e tinha na direção Raymundo Nobre de Almeida. Líder da Rede da Legalidade que garantiu a posse de Jango após a renúncia de Jânio, o prédio foi invadido e arrasado após o golpe de 64 e a emissora nunca mais voltou ao ar deixando aberta uma lacuna nunca preenchida por ninguém. Este absurdo foi mais um dos legados da desprezível "redentora".
Bem, após a Mayrink pairava a Rádio Tupy, "Emissora líder dos Diários Associados", que sempre ficou com a vice-liderança de audiência.
No auge da Rádio Nacional, seu elenco de radioteatro era composto de ídolos como Paulo Porto e Ida Gomes, comediantes como Nádia Maria, Jomeri Pozzoli e Orlando Drumond. Tirou Oduvaldo Cozzi da Continental, era líder com Paulo Moreno antes da Globo levá-lo mas não tinha um animador de auditório para chegar aos pés de um César de Alencar ou de um Paulo Gracindo. Com a ascensão da Rádio Globo manteve o radioteatro até onde pode mas, como a nova líder, reforçou o futebol e deu força aos, hoje, chamados comunicadores. César de Alencar, é bom lembrar, traiu seus companheiros depois do golpe pois queria ser o diretor da Rádio Nacional. Não conseguiu, pois traidor não merece respeito nem dos aliados. Mas que era um grande animador de auditório, talvez o melhor de todos, ninguém pode negar. A Rádio Rio de Janeiro, a mais recente do time, nunca decolou e hoje sobrevive como emissora espírita.
Já a Rádio Guanabara, antes de ser absorvida pelo grupo Bandeirantes, incomodava as outras concorrentes com programas feitos bem ao gosto do público. Às nove horas da manhã José Messias apresentava um excelente programa e defendia -como faz até hoje- a música e os artistas brasileiros. Confiou, como ninguém, num jovem cantor em início de carreira, dando-lhe preciosíssimos quinze minutos de apresentação diária. Seu nome: Roberto Carlos.
À tarde, por volta das cinco horas entrava no ar "Os Brotos Comandam", produzido e apresentado por Carlos Imperial cuja "troupe" englobava -nada mais, nada menos- do que Wilson Simonal, Erasmo Carlos, Eduardo Araújo, Roberto Carlos e Ed Wilson. Simonal, aliás, era secretário de Imperial antes de gravar seu primeiro disco, um chá-chá-chá intitulado "Terezinha". Quem diria, hein?
Para terminar, fechando o "dial" vinha a Rádio Vera Cruz, emissora de um estúdio só, localizado na Rua Buenos Aires que, como a Rio de Janeiro, não decolou. Talvez um apresentador possa ser mencionado: Teonir Buteri. Alguém lembra?
Pois é isso. No final dos anos 70, a televisão começou a crescer, a censura batia forte no Jornal do Brasil, quebrou o Correio da Manhã, explodiu a Última Hora, cassou metade do elenco da Rádio Nacional, a Mayrink já estava morta e o antigo rádio em ondas médias começou a morrer. As igrejas evangélicas, em franca expansão, adquiriram praticamente todas elas e, talvez em função do crescimento e do apelo da televisão, não houve renovação no rádio. Hoje, as emissoras em freqüência modulada, tomaram o lugar das velhas AM comprovando, ao contrário do que muitos podem crer, que o rádio não acabou. Está mais vivo do que nunca e não morrerá jamais...
Paulo Brunner - Compositor e Professor.
Fonte: Marcelo Mahé, Barra Mansa-RJ (22º32'S/44º10'W) DXCB - BRASIL
11 Jul 2005, https://br.groups.yahoo.com/neo/groups/radioescutas/conversations/topics/29365
No Site A História do Rádio de Fábio Pirajá você encontra gravações dos Anos Dourados do Rádio Brasileiro e muito mais http://locutor.info/audioEradeOuro.html
Marcador
historia_radio
- Gerar link
- Outros aplicativos
Comentários
Postar um comentário